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Agenda 2030 e projetos de extensão para comunidades quilombolas

A Professora Doutora Ana Margarida Theodoro Caminhas, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Câmpus de Jaboticabal, relata a experiência de extensão universitária realizada com a comunidade quilombola de Ivaporunduva, no Vale do Ribeira. Destaca os desafios enfrentados em relação ao saneamento básico e à educação ambiental na comunidade, refletindo sobre a troca de saberes entre universitários e quilombolas. Além disso, ressalta a importância da confiança mútua e da Agenda 2030 como referência para ações de sustentabilidade. Caminhas também discute o racismo ambiental e a necessidade de políticas públicas que atendam as populações vulneráveis, integrando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nas iniciativas de extensão.

Por Fernando da Cruz Souza[i] | RedeCT, em Bauru-SP | 29 maio 2024

Os resultados da pesquisa foram publicados em 2021, no volume 10 do livro Povos Originários e Comunidades Tradicionais: trabalhos de pesquisa e de extensão universitária. A série é organizada pela RedeCT e publicada –– em acesso aberto –– sob o selo da Editora da Universidade Federal de Roraima e da Editora Fi.

O relato apresenta uma experiência educativa e de extensão universitária com a comunidade quilombola de Ivaporunduva, no Vale do Ribeira, São Paulo, em relação à Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável. Caminhas reflete sobre sua atuação e a de outros universitários em projetos de educação ambiental e saneamento básico, realizados entre 1993 e 1994, destacando os impactos tanto na comunidade como nos estudantes. A análise ressalta o papel da universidade na promoção de mudanças sociais e ambientais, ao mesmo tempo em que valoriza os saberes locais.

A experiência ocorreu em uma das regiões mais carentes de São Paulo, habitada por quilombolas e outras comunidades tradicionais que enfrentam questões como a falta de saneamento, acesso precário à água potável e vulnerabilidade social. Essas comunidades, frequentemente marginalizadas pelas políticas públicas, dependem da agricultura e do extrativismo para sobreviver.

O projeto de extensão da UNESP focou na cloração da água e na construção de fossas sépticas, além de instruir a comunidade sobre práticas de higiene para prevenir doenças. O trabalho, além de uma abordagem tecnicista, utilizou métodos lúdicos como teatro, contação de histórias e atividades artísticas para facilitar a compreensão dos temas e promover maior integração com a comunidade.

A relação de confiança com os quilombolas, inicialmente marcada por desconfiança devido ao histórico de ameaças de remoção por projetos de barragens, foi conquistada após várias reuniões. A aceitação do projeto foi simbolizada pelo convite para realizar atividades na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, um espaço comunitário central para a liderança quilombola.

O teatro desempenhou papel importante ao tocar em questões cotidianas de maneira acessível e engajadora. A integração entre as tradições locais e os temas como saneamento e preservação ambiental facilitou o envolvimento de todas as faixas etárias. O sucesso das apresentações reforçou a eficácia de métodos criativos na educação comunitária.

Quanto ao papel da universidade em projetos de extensão, a autora reconhece que, inicialmente, os universitários adotaram uma visão paternalista, mas com o tempo, entenderam que os quilombolas também tinham muito a ensinar. Esse diálogo entre o saber acadêmico e o tradicional foi essencial para o sucesso do projeto. A pesquisa-ação, metodologia utilizada no projeto, possibilitou a participação ativa dos estudantes em todas as etapas, garantindo flexibilidade e adaptação das atividades de acordo com o feedback da comunidade.

O racismo ambiental, tematizado pela autora, manifestou-se pela falta de políticas públicas adequadas para populações negras e tradicionais. Caminhas conecta essa questão aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como o ODS 4 (Educação de Qualidade), ODS 6 (Água Potável e Saneamento) e ODS 10 (Redução das Desigualdades), propondo que o combate ao racismo ambiental deve ser uma prioridade em ações de extensão.

A experiência foi marcante para a formação dos universitários, muitos dos quais seguiram atuando em áreas relacionadas à sustentabilidade e justiça social. Caminhas reflete sobre como essa vivência foi fundamental para sua trajetória como educadora e pesquisadora, moldando sua visão sobre o papel da universidade na promoção de mudanças sociais e ambientais.

 

[i] Bolsista do Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico (MídiaCiência), processo nº 2023/04511-1, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).