Pesquisadores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) demonstraram que a instalação de complexos industriais na região de Itaguaí, Seropédica, Piraí e Mangaratiba, a partir de 1980, causou intensa desterritorialização das comunidades tradicionais, afetando suas vidas, identidades culturais e o meio ambiente.
Por Fernando da Cruz Souza[i] | RedeCT, em Bauru-SP | 22 fev. 2024
Os resultados da pesquisa foram publicados em 2021, no volume 8 do livro Povos Originários e Comunidades Tradicionais: trabalhos de pesquisa e de extensão universitária. A série é organizada pela RedeCT e publicada –– em acesso aberto –– sob o selo da Editora da Universidade Federal de Roraima e da Editora Fi.
Carlos A. Sarmento, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Prefeitura Municipal de Itaguaí-RJ, e Márcio A. Vianna, também da UFRRJ, analisaram os impactos da instalação de megaempreendimentos no Território Identitário de Itaguaí (TIdI, pronunciado como tê-i-dê-i). O estudo investigou como a transformação do espaço afeta as comunidades tradicionais da região.
O Território Identitário (TIdI), Figura 1, é um conceito inovador que reconhece a identidade territorial em constante transformação das comunidades tradicionais de agricultores familiares e pescadores artesanais. Mais do que uma divisão física do espaço, o TIdI engloba a região onde essas comunidades desenvolvem suas atividades, construindo sua cultura e modo de vida. Essa relação com o meio ambiente natural, no entanto, é marcada por conflitos contínuos com iniciativas públicas e privadas que disputam o poder sobre o território e geram impactos ambientais.
Figura 1 - Território Identitário de Itaguaí (TIdI) |
Cinco famílias de agricultores familiares e três famílias de pescadores artesanais estão distribuídas em sete subterritórios rurais (Figura 2): Mazomba (I), Raiz da Serra (II), Chaperó (III), Piranema (IV), Rio da Guarda (V), Coroa Grande (VI) e Ilha da Madeira (VII), apresentados na Figura 2.
Figura 2 - Subterritório do TIdI e entorno |
É nesses espaços que os megaempreendimentos se estabeleceram. Um deles é o Complexo Industrial de Santa Cruz e o outro o Complexo Portuário de Itaguaí. Cada um dos complexos reúne empreendimentos de diversos segmentos.
A pesquisa envolveu entrevistas com 38 atores locais, incluindo pescadores artesanais, agricultores familiares, membros da comunidade local (familiares e vizinhos de pescadores e agricultores) e agentes de políticas públicas locais (técnicos, pesquisadores e extensionistas).
A análise dos resultados da pesquisa, complementada pela observação participante, foi organizada em uma matriz analítica que mapeou os impactos do TIdI (Figura 3)
Figura 3 - Matriz de impactos nos subterritórios do TIdI |
Os resultados da Matriz de Impactos no TIdI são traduzidos em diversos impactos negativos no TIdI, os quais reforçam a conclusão de que práticas estritamente mercadológicas transformam o espaço a partir de uma narrativa falaciosa, ligada à pujança econômica e qualidade de vida para seus moradores. Porém, os megaempreendimentos culminam em prejuízos, tais como:
- Privatização dos recursos naturais: a crescente apropriação de recursos naturais por empresas privadas;
- Ocupação irregular do espaço: construção de empreendimentos e megaempreendimentos sem ordenamento adequado;
- Legitimação da exploração: a aprovação de práticas exploratórias por parte de agentes públicos;
- Invasão de comunidades tradicionais: interferência em áreas historicamente ocupadas por comunidades tradicionais;
- Conivência do poder público: permissão ou tolerância das autoridades a práticas ilegítimas de grandes empreendimentos;
- Falta de políticas públicas compensatórias: ausência ou insuficiência de medidas que mitiguem os impactos sociais e ambientais;
- Precariedade dos serviços públicos: serviços básicos, como saúde e educação, são deficientes;
- Problemas de saúde ambiental: impactos ambientais causando problemas de saúde nas populações locais;
- Gentrificação: deslocamento forçado de populações tradicionais devido à especulação imobiliária;
- Degradação do ecossistema: danos ao meio ambiente local devido às atividades humanas.
- Violência contra comunidades tradicionais: a população tradicional sofre violência física e emocional;
- Estrangulamento das atividades econômicas tradicionais: dificuldade de manter atividades econômicas locais, como pesca e agricultura;
- Contaminação ambiental: poluição da Baía de Sepetiba e rios locais por metais pesados e esgoto;
- Poluição do aquífero Piranema: risco de contaminação das reservas subterrâneas de água;
- Aumento dos resíduos sólidos: crescente geração de lixo e má gestão dos resíduos;
- Perda de identidade cultural: as comunidades tradicionais perdem sua identidade e conexão com o território;
- Desinteresse das novas gerações: as gerações mais jovens não têm interesse em continuar as tradições;
- Estrangulamento da pesca: diminuição das atividades pesqueiras locais;
- Zonas de exclusão de pesca: áreas onde a pesca é proibida, impactando a subsistência local;
- Extinção da agricultura familiar: a agricultura de subsistência está desaparecendo gradualmente;
- Empobrecimento do solo: degradação da qualidade do solo devido às práticas intensivas;
- Assoreamento: sedimentação que afeta corpos d'água em diversas escalas;
- Crescimento demográfico desregulado: expansão populacional sem planejamento;
- Ocupações habitacionais irregulares: crescimento de moradias informais e ilegais;
- Destruição de patrimônios históricos: risco de perda de construções e sítios históricos locais.
Os pesquisadores destacam que, diante de tal situação, é de suma importância a presença e a participação efetiva de instituições/órgãos públicos locais e do entorno, como universidades, colegiados, empresas e institutos junto à comunidade local, em especial agricultores familiares e pescadores artesanais, a fim de propor a criação de uma câmara técnica de pesquisa e fiscalização ambiental para o TIdI.
[i] Bolsista do Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico (MídiaCiência), processo nº 2023/04511-1, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).