Pesquisadoras da Universidade Federal de Roraima (UFRR) evidenciaram as dificuldades enfrentadas pelas artesãs Warao para obter matéria-prima e comercializar seus produtos artesanais. Além disso, ressaltaram a importância da parceria com a ONG Fraternidade - Federação Humanitária Internacional para integração dessas artesãs no mercado de trabalho e a adaptação ao contexto urbano.
Por Isaltina Santos da Costa Oliveira[i] e Fernando da Cruz Souza[ii] | RedeCT, em Bauru-SP | 27 ago. 2024.
Os resultados da pesquisa foram publicados em 2020, no volume 6 do livro Povos Originários e Comunidades Tradicionais: trabalhos de pesquisa e de extensão universitária. A série é organizada pela RedeCT e publicada –– em acesso aberto –– sob o selo da Editora da Universidade Federal de Roraima e da Editora Fi.
Hemanuella Karolyne Moura Viana, da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e Leila Adriana Baptaglin, também da UFRR, investigaram o processo de mudanças culturais e as transformações na produção do artesanato das artesãs Warao, residentes no Abrigo Pintolândia, em Boa Vista, Roraima.
Os indígenas Warao, também conhecidos como “Povo das Canoas” ou “Povo das Águas”, devido à sua estreita relação com os rios, são oriundos do Delta do Orinoco na Venezuela. Em seu país de origem, mantinham um estilo de vida nômade e ribeirinho, vivendo em cabanas sobre palafitas e sobrevivendo da pesca e da produção artesanal com materiais locais, como a palha de buriti. Refugiaram-se no Brasil em decorrência da crise econômica, política e social em seu país.
Figura 1 - Delta do Orinoco e casas sobre palafitas
Fonte: Viana; Baptaglin (2020).
O Brasil, particularmente o estado de Roraima, tornou-se um destino para esses indígenas em busca de melhores condições de vida. A migração forçada não apenas deslocou os Warao de seu território original, mas os expôs a um processo intenso de aculturação e adaptação.
No Abrigo Pintolândia, as artesãs Warao continuam a praticar o artesanato, mas de maneira adaptada às novas circunstâncias. O abrigo, gerido pela ONG Fraternidade - Federação Humanitária Internacional, oferece suporte às indígenas, incluindo moradia, materiais para produção artesanal e orientação para inserção no mercado de trabalho.
O artesanato, tradicional para a subsistência dos Warao, passou por transformações significativas no novo contexto urbano. Antes, a produção artesanal era uma atividade intrinsecamente ligada ao ambiente natural do Delta do Orinoco, onde as mulheres coletavam e preparavam a palha de buriti diretamente da natureza. Agora, em Roraima, elas enfrentam desafios para obter matéria-prima de qualidade, frequentemente dependendo de doações ou de compras em outros estados brasileiros, o que impacta a qualidade e a autenticidade dos produtos finais.
Figura 2 - Detalhes do artesanato com fibra de buriti
Fonte: Viana; Baptaglin (2020).
Figura 3 - Produção do artesanato Warao
Fonte: Viana; Baptaglin (2020).
Os autores ressaltam que as mudanças na produção artesanal dos Warao não são apenas técnicas, são culturais e identitárias. Isso é evidenciado na adaptação das técnicas artesanais e na modificação dos produtos, como o Duanaká, uma rede tradicionalmente usada para carregar bebês, que agora é produzida mais para venda do que para uso pessoal.
Figura 4 - Indígena usando Duanaká
Fonte: Viana; Baptaglin (2020).
A ONG tem sido fundamental nesse processo de adaptação, pois fornece os recursos necessários para a continuidade da produção artesanal e facilitam a entrada das artesãs no mercado brasileiro, por meio da promoção a venda dos produtos em um contexto completamente diferente do que estavam acostumadas. No entanto, esse apoio também vem com seus desafios, como a dependência de materiais de menor qualidade e a necessidade de adaptar os produtos às preferências de um mercado urbano e muitas vezes distante das tradições culturais dos Warao.
Trata-se de um processo complexo de transformação cultural. A migração e a adaptação ao ambiente urbano de Boa Vista forçam os Warao a reinterpretarem suas tradições, criando novos significados e práticas dentro de um contexto que lhes é diferente. A produção artesanal, que antes era uma expressão direta de sua relação com a natureza e a espiritualidade, agora se transforma em um meio de sobrevivência em um ambiente econômico e cultural diferente.
Este processo de adaptação é um exemplo claro de como a cultura é dinâmica e resiliente, capaz de se transformar e sobreviver mesmo em condições adversas.
[i] Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista (FAAC/Unesp), campus de Bauru. E-mail:
[ii] Bolsista do Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico (MídiaCiência), processo nº 2023/04511-1, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).