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Políticas de saúde indígena, direitos sociais e violência institucional: uma perspectiva Akwẽ-Xerente

Pesquisadoras de três universidades abordaram as falhas nas políticas de saúde para os Akwẽ-Xerente, expondo o contraste entre a medicina tradicional indígena e a abordagem ocidental, muitas vezes imposta sem considerar a cultura local. A pesquisa denuncia a violência institucional que, ao se manifestar na precariedade dos serviços e no desrespeito aos atendimentos, aumenta a vulnerabilidade desse povo.

Por Isaltina Santos da Costa Oliveira[i] e Fernando da Cruz Souza[ii] | RedeCT, em Bauru-SP | 28 ago. 2024.

Os resultados da pesquisa foram publicados em 2018, no volume 1 do livro Povos Originários e Comunidades Tradicionais: Trabalhos de Pesquisa e de Extensão Universitária. A série é organizada pela RedeCT e publicada –– em acesso aberto –– sob o selo da Editora da Universidade Federal de Roraima e da Editora Fi.

Silvania de Jesus Silva, da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Márcia Machado, da Universidade de Brasília (UnB) e Maria Fernanda Dantas Di Flora Gamba, da Universidade Federal Fluminense (UFF), investigaram a implementação de políticas públicas, atuação dos profissionais e a configuração dos serviços de saúde voltados ao povo Akwẽ-Xerente no estado do Tocantins.

O texto é iniciado com a menção ao contato histórico entre os indígenas e não indígenas, que trouxe inúmeros danos à saúde das comunidades indígenas. Desde o período colonial, a imposição das culturas europeias resultou em etnocídio e genocídio e a introdução de doenças desconhecidas pelos povos originários agravou a situação. A violência contra os indígenas não apenas persistiu após a colonização, como se intensificou nas últimas décadas.

De acordo com a pesquisa, para os Akwẽ-Xerente, a saúde vai além da mera ausência de doença. Ela é vista como um estado de bem-estar físico, mental e espiritual, intimamente ligado à relação com a natureza e com os membros da comunidade. As doenças, por outro lado, não são consideradas “naturais” ou “hereditárias” no sentido ocidental, mas sim como consequências de desequilíbrios espirituais ou de relações sociais.

Diante disso, o pajé, ou Sekwa, desempenha um papel central na saúde Akwẽ-Xerente, sendo responsável por diagnosticar e tratar as doenças por meio de práticas xamânicas e do uso de plantas medicinais. Esse saber ancestral, transmitido de geração em geração, é uma das formas de resistência cultural dos Akwẽ-Xerente frente à medicina ocidental, que muitas vezes não respeita ou compreende a profundidade dessas práticas.

Apesar do respeito pela medicina tradicional, os Akwẽ-Xerente reconhecem a eficácia de certos aspectos da medicina ocidental, especialmente para doenças que não podem ser tratadas por seus métodos tradicionais. No entanto, o contato com a medicina ocidental é frequentemente marcado por preconceitos e discriminação. Muitos indígenas relatam experiências de desrespeito e maus-tratos nos postos de saúde e hospitais, onde são vistos como “inferiores” ou “ignorantes” por profissionais de saúde que desconhecem ou desvalorizam suas tradições. 

Para as autoras da pesquisa, os preconceitos sofridos pelos indígenas são um reflexo do etnocentrismo que permeia as práticas de saúde pública no Brasil, em que os valores e normas da cultura dominante são impostos às comunidades indígenas sem consideração por suas especificidades culturais. Como resultado, a saúde dos Akwẽ-Xerente é constantemente negligenciada, e os serviços que recebem são inadequados ou mesmo violentos.

Tais problemas ocorrem à revelia da Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 9.836 de 1999, que garantem o direito à saúde para todos os brasileiros, incluindo os povos indígenas. Na prática, esses direitos são frequentemente ignorados. As políticas públicas de saúde para os indígenas, como o Subsistema de Saúde Indígena, são marcadas pela precariedade, pela falta de recursos e pela ineficácia.

O estudo identifica a falta de infraestrutura e a escassez de profissionais capacitados para trabalhar em áreas indígenas como principais problemas. Além disso, a transferência de responsabilidades para a esfera privada, promovida pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), agrava ainda mais a situação, levando à desassistência e à violência institucional contra os povos indígenas.

O desrespeito é agravado pela falta de informações sobre os programas de saúde disponíveis e pela ausência de políticas que realmente considerem as especificidades culturais dos indígenas. Contudo, os Akwẽ-Xerente continuam a lutar por seus direitos. A preservação de suas práticas tradicionais de saúde é uma forma de resistência cultural e um meio de afirmar sua identidade em um contexto de constante ameaça. Eles também reivindicam melhorias no sistema de saúde, incluindo mais recursos, profissionais capacitados e o reconhecimento de suas práticas tradicionais.

 

[i] Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista (FAAC/Unesp), campus de Bauru. E-mail: This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it.

[ii] Bolsista do Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico (MídiaCiência), processo nº 2023/04511-1, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).