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Comunicação e cultura: os impactos tecnológicos nas comunidades indígenas

Com o avanço da tecnologia, comunidades indígenas brasileiras enfrentam o desafio de equilibrar a modernidade com a preservação de suas tradições. Enquanto o acesso à internet e dispositivos eletrônicos cresce nas aldeias, as lideranças indígenas se esforçam para manter vivas suas línguas e costumes ancestrais. A educação, políticas públicas e o apoio de ONGs são essenciais nesse processo, a fim de garantir que a modernização não apague a identidade cultural desses povos.

Por Luís Guilherme Costa Berti[i] e Fernando da Cruz Souza[ii] | RedeCT, Bauru-SP | 27 ago. 2024

Pesquisa de Cristiane Teixeira Bazilio Marchetti, Dra. Cristiane Hengler Corrêa Bernardo e Dr. Timóteo Ramos Queiroz, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp – Câmpus de Tupã), investiga as políticas públicas que garantem o acesso à internet para as comunidades indígenas e como isso influencia suas vidas e hábitos culturais.

Os resultados da pesquisa foram publicados em 2019, no volume 3 do livro Povos Originários e Comunidades Tradicionais: trabalhos de pesquisa e de extensão universitária. A série é organizada pela RedeCT e publicada –– em acesso aberto –– sob o selo da Editora da Universidade Federal de Roraima e da Editora Fi.

De acordo com os pesquisadores, o processo de aculturação social tem sido uma constante ameaça aos povos indígenas, pressionando-os a adotar características de culturas não indígenas. Com o advento das mídias digitais e o crescente êxodo de indígenas para áreas urbanas, a nova preocupação entre os anciãos diz respeito a quem preservará os conhecimentos tradicionais.

Tal fato levou ao questionamento da pesquisa sobre como os povos indígenas podem proteger seus saberes tradicionais diante da rápida chegada das tecnologias modernas.

Neste contexto, os autores ressaltam que, historicamente, a narrativa oficial é frequentemente contada pelos vencedores. Nesta situação, os meios de comunicação emergem como ferramentas poderosas para que os povos indígenas, que enfrentaram séculos de dizimação, possam contar suas histórias sob sua própria perspectiva e particularidade histórica.

Manter viva a oralidade ancestral, mesmo diante da pressão para a adoção da língua portuguesa, e preservar os saberes tradicionais são objetivos que podem ser fortalecidos por meio da comunicação em línguas indígenas, assegurando que as vozes originárias sejam ouvidas.

Contextualização

Os povos indígenas têm habitado o Brasil há mais de 500 anos, sendo a colonização um marco transformador na sua história, resultando em perda de direitos e escravização. No entanto, a violência e o preconceito contra esses povos são pouco abordados nos livros didáticos, o que cria um vazio no entendimento da verdadeira história da colonização brasileira.

Uma de suas principais lutas dos povos indígenas é a preservação de sua cultura em meio às influências tecnológicas. Embora tecnologias como televisores, celulares e computadores estejam cada vez mais presentes nas aldeias, os costumes tradicionais continuam sendo passados para as gerações mais jovens.

Como exemplo, os autores citam a aldeia Tenondé-Porã – localizada na zona sul de São Paulo –, cuja Central de Educação Indígena auxilia na preservação da língua e cultura guarani, enquanto seus membros aprendem o português para se comunicarem com os visitantes.,

Nota-se, portanto, que a educação é importante no processo de preservação cultural, sendo uma conquista significativa para garantir que as crianças indígenas tenham acesso ao ensino formal, além do aprendizado cultural transmitido pelas famílias.

O exemplo da Aldeia Tenondé-Porã se desdobra da luta indígena pela criação da Lei 11.645/1996, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura indígenas e afro-brasileiras nas escolas de ensino fundamental e médio, condição que cria oportunidades para a maior conscientização sobre a diversidade cultural do Brasil nas escolas.

Uma segunda e importante luta dos povos indígenas, população de maior concentração na Amazônia, é pela demarcação de terras. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) tem enfrentado dificuldades em garantir esses direitos devido a pressões políticas, especialmente na região amazônica, fato com consequências amplamente negativas quando se considera que os indígenas possuem relação intrínseca com a natureza em seus modos de vida.

A diversidade cultural dos povos indígenas é evidente em suas diferentes línguas e tradições. A tribo Ianomâmi, por exemplo, fala quatro línguas diferentes e acredita em espíritos protetores. A cultura dos Carajás, que vivem às margens do Rio Araguaia, por sua vez, está profundamente ligada à crença de que seus antepassados habitam o fundo do rio. Já os Guaranis são conhecidos por seus trabalhos em cerâmica e rituais religiosos, além de terem sua língua oficial reconhecida no Paraguai desde 1992.

Os Tupis, outra etnia indígena, têm uma forte ligação religiosa com a natureza. Nesta etnia, os pajés são figuras centrais, os quais realizam rituais de cura e consultas espirituais. Ao todo, os indígenas brasileiros falam mais de 100 línguas e dialetos, muitos dos quais influenciaram o português, como no caso das palavras "tapioca" e "mandioca".

A religião dos povos indígenas é predominantemente politeísta, com uma forte conexão com a natureza e o uso de plantas medicinais para curas físicas e espirituais. Apesar da influência da colonização e do cristianismo, muitas tribos ainda mantêm suas crenças tradicionais. A dança e os rituais indígenas são importantes para marcar transições na vida adulta e reafirmar a conexão entre o ser humano e a natureza.

Influência da Mídia e da Tecnologia

A mídia e a tecnologia apresentam um impacto tanto positivo como negativo na cultura indígena. Por um lado, o acesso à internet permite que os indígenas se conectem com o mundo exterior, obtenham informações sobre seus direitos e interajam com outras comunidades indígenas ao redor do mundo. Por outro, a modernização trazida pela tecnologia pode afastar os jovens indígenas de suas tradições, fazendo com que valorizem mais os estilos de vida urbanos e menos suas raízes culturais. Esse dilema é um desafio constante para as lideranças indígenas, que tentam equilibrar a preservação cultural com o uso das novas tecnologias.

Embora as tecnologias modernas influenciem a vida dos povos indígenas, elas também oferecem oportunidades para o fortalecimento da identidade cultural, desde que usadas de maneira equilibrada. A preservação das tradições linguísticas, religiosas e culturais é vista como essencial para que a cultura indígena continue viva e seja passada de geração em geração.

Líderes indígenas como Ailton Krenak, Daniel Munduruku e Davi Kopenawa têm usado a comunicação para ganhar destaque e recontar a história de seus povos, mostrando que a comunicação pode, de fato, ser uma ferramenta para reconstruir narrativas que não são estáticas.

Além disso, ONGs, como a Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAI) e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), e lideranças indígenas desempenham um papel crucial na conscientização dos jovens sobre a importância de manter suas raízes em práticas religiosas e culturais próprias, mesmo em meio às pressões da modernidade.

Os pesquisadores compreendem que a cultura indígena é um legado para toda a população brasileira e o respeito e a proteção dessas tradições são fundamentais para a preservação da diversidade cultural no país. Junto a isso, o equilíbrio entre o moderno e o tradicional é essencial para manter a identidade indígena, apesar das mudanças provocadas pela tecnologia.

 

[i] Doutorando em Comunicação, FAAC-UNESP.

[ii] Bolsista do Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico (MídiaCiência), processo nº 2023/04511-1, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).