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Estudo sobre a permanência no ensino superior dos acadêmicos da comunidade Quilombola Lajeado, Tocantins

Grupos de pesquisa da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e da Universidade Estadual Paulista (UNESP) divulgam o resultado de um estudo sobre a permanência de estudantes quilombolas no ensino superior, com foco na Comunidade Quilombola Lajeado, em Tocantins. A pesquisa explora como ações afirmativas, especialmente o Programa Bolsa Permanência, têm sido cruciais para garantir que os acadêmicos possam continuar os estudos. Apesar dos avanços, o estudo revela desafios significativos na implementação as políticas, destacando a importância de fortalecer os mecanismos de apoio para grupos vulneráveis.

Por Jardilene Gualberto P. Fôlha[i] e Fernando da Cruz Souza[ii] | RedeCT, em Bauru-SP | 28 ago. 2024

Os resultados da pesquisa foram publicados em 2019, no volume 3 do livro Povos Originários e Comunidades Tradicionais: trabalhos de pesquisa e de extensão universitária. A série é organizada pela RedeCT e publicada –– em acesso aberto –– sob o selo da Editora da Universidade Federal de Roraima e da Editora Fi.

Celenita Bernieri, Jardilene Fôlha, Laurenita Alves, Nelson Russo e José Rocha buscam compreender a dinâmica institucional da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e do Instituto Federal do Tocantins (IFTO) ao promoverem a política pública do Programa Bolsa Permanência, voltada para descendentes quilombolas. Analisar, ainda, as questões socioeconômicas e identitárias dos bolsistas da Comunidade Quilombola Lajeado.

Contexto

Diferentemente da Espanha, que estabeleceu instituições de ensino em suas colônias americanas ainda no século XVI, Portugal evitou a criação de universidades no Brasil, preferindo enviar os filhos da elite para estudar na Europa. Esse atraso na criação de universidades brasileiras perpetuou uma estrutura elitista no ensino superior, que, por muitos anos, foi acessível apenas a um pequeno grupo privilegiado.

A democratização do ensino superior brasileiro começou a ganhar força apenas no final do século XX, impulsionada por movimentos sociais e políticas de ações afirmativas. Esses esforços visavam ampliar o acesso à universidade pública para grupos historicamente marginalizados, incluindo negros, indígenas e quilombolas. Contudo, a inclusão desses grupos no ensino superior trouxe à tona novos desafios, relacionados à permanência desses estudantes nas universidades.

A permanência dos estudantes quilombolas no ensino superior é afetada por uma série de fatores, incluindo condições socioeconômicas precárias, falta de apoio acadêmico e a persistência de atitudes discriminatórias dentro das universidades. Esses obstáculos são agravados pela estrutura rígida e conservadora das instituições de ensino superior, que frequentemente não conseguem fornecer o suporte necessário aos estudantes.

A Política Nacional de Assistência Estudantil

A Política Nacional de Assistência Estudantil, com seus recortes econômicos e étnico-raciais, é apresentada como uma resposta às necessidades dos estudantes de grupos vulneráveis. Criado em 2013, o Programa Bolsa Permanência é uma das principais ferramentas da política, que atua por meio da oferta de auxílio financeiro aos estudantes de instituições federais de ensino superior os quais estejam em situação de vulnerabilidade socioeconômica, com foco especial em quilombolas e indígenas.

O programa tem três objetivos principais:

  • viabilizar a permanência de estudantes em situação de vulnerabilidade;
  • reduzir a evasão estudantil; e
  • promover a democratização do acesso ao ensino superior.

O auxílio financeiro concedido é fundamental para que esses estudantes possam se manter na universidade, cobrindo despesas como moradia, alimentação, transporte e material escolar.

Apesar disso, a pesquisa salienta que a implementação do Programa Bolsa Permanência enfrenta importantes problemas. A comunicação entre as instituições de ensino e as associações quilombolas, que são responsáveis por apoiar os estudantes em seus processos de inscrição e manutenção da bolsa, muitas vezes é falha, resultando em atrasos e erros na concessão do auxílio. Além disso, a falta de clareza nos critérios de elegibilidade e a exclusão de estudantes de cursos à distância têm gerado controvérsias e dificuldades adicionais para os acadêmicos quilombolas.

Nesta pesquisa, foi realizado um estudo de caso junto aos acadêmicos da Comunidade Quilombola Lajeado, localizada na zona rural de Dianópolis, no Tocantins. A comunidade mantém forte ligação com suas raízes culturais e identitárias, sendo composta por pessoas de traços e cultura legítima de antigos escravos refugiados aglomerados em quilombos. A maioria dos habitantes da comunidade, reconhecida pela Fundação Cultural Palmares em 2010, sobrevive de pequenas lavouras, pecuária inexpressiva, aposentadorias, pensões e programas sociais.

Durante a pesquisa, 22 acadêmicos da comunidade estavam matriculados em instituições de ensino superior, com maioria na UFT e no Instituto Federal do Tocantins (IFTO). Desses, 20 recebiam o auxílio financeiro do Programa Bolsa Permanência. Os cursos em que estavam matriculados variavam de áreas como Administração, Engenharia, Ciências Contábeis, até Medicina e Pedagogia.

Por meio de entrevistas realizadas com esses alunos, pode-se observar a importância do auxílio financeiro para a permanência na universidade. Muitos relatam que, sem o auxílio da Bolsa Permanência, não teriam condições de continuar os estudos. O programa permite que despesas básicas sejam cobertas e, por isso, que se concentrem nas atividades acadêmicas, o que aumenta suas chances de sucesso.

No entanto, foram identificados alguns desafios na implementação do programa. A falta de clareza nos critérios de elegibilidade para os estudantes quilombolas e a incoerência na documentação exigida para a concessão da bolsa fazem parte deste rol. Além disso, a falta de divulgação adequada dos serviços e auxílios oferecidos pelas universidades dificulta o acesso dos estudantes a outros tipos de apoio, como assistência à saúde, moradia e participação em eventos acadêmicos.

Outra questão relevante é a exclusão dos estudantes de cursos à distância do programa, cujos impactos negativos são significativos. Acadêmicos nessa modalidade de ensino representam uma parte ampla dos quilombolas, os quais perderam o auxílio financeiro, resultando em evasão e dificuldades para a conclusão dos cursos. Os pesquisadores sublinham que a modalidade à distância é, muitas vezes, a única opção viável para os estudantes quilombolas, que precisam conciliar seus estudos com a vida na comunidade e outras responsabilidades.

Impacto do Programa Bolsa Permanência na vida dos egressos de Lajeado

Muitos ex-alunos conseguiram se formar graças ao auxílio financeiro do programa e agora atuam em suas respectivas áreas de formação, contribuindo para o desenvolvimento de suas comunidades e ampliando perspectivas profissionais.

Ainda assim, dados da pesquisa apontam que a suspensão da bolsa para estudantes de cursos à distância teve efeitos prejudiciais. Alguns egressos relatam que, sem o auxílio financeiro, enfrentaram sérias dificuldades para concluir seus cursos e, em alguns casos, foram forçados a abandonar os estudos. Esse cenário reflete a importância contínua de políticas de assistência estudantil que considerem as realidades específicas dos quilombolas e de outros grupos vulneráveis.

Considerações dos autores

Embora o Brasil tenha feito progressos na democratização do acesso ao ensino superior, a permanência dos estudantes quilombolas ainda depende de um sistema de apoio robusto e bem-implementado. Nesse sentido, há a necessidade de fortalecer e expandir programas como o Bolsa Permanência, a fim de garantir que todos os estudantes, independentemente de sua modalidade de estudo, tenham as mesmas oportunidades para concluir seus cursos. Também fica evidente a centralidade de uma maior e melhor comunicação e colaboração entre as universidades, as associações quilombolas e outras entidades envolvidas na implementação das ações afirmativas.

Ressalta-se que o futuro da educação superior no Brasil deve estar ancorado em princípios de inclusão, diversidade e equidade. Por isso, as universidades precisam continuar a adaptar suas práticas e estruturas para acolher estudantes de todas as origens, assegurando que todos possam alcançar seu potencial máximo, tal que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária.

 

[i] Doutoranda em Educação na Amazônia - PGEDA/UFT. Mestre em Educação - PPGE/UFT. Professora do Município de Palmas (SEMED/Palmas). Pesquisadora dos grupos de pesquisas: CNPQ Gepce/UFT-TO e GEDGS/UNESP-SP. Membro da Rede Internacional de Pesquisadores sobre Povos Originários e Comunidades Tradicionais (RedeCT). Membro da Comunidade de Remanescente Quilombola Lajeado (TO). E-mail: This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it..

[ii] Bolsista do Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico (MídiaCiência), processo nº 2023/04511-1, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).