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Bolívia: um panorama das diversidades culturais

Docente brasileiro e pesquisadora boliviana estudam o multiculturalismo na Bolívia, destacando a diversidade étnica e a importância da valorização da cultura local para a integração social, política e econômica do país. Com foco na ascensão indígena e nas transformações promovidas durante o governo de Evo Morales, o texto analisa a relação histórica de exclusão dos povos indígenas e as mudanças recentes que buscam incluí-los no cenário político.

Por Fernando da Cruz Souza[i] | RedeCT, em Bauru-SP | 12 mar. 2024

Os resultados da pesquisa foram publicados em 2018, no volume 1 do livro Povos Originários e Comunidades Tradicionais: trabalhos de pesquisa e de extensão universitária. A série é organizada pela RedeCT e publicada –– em acesso aberto –– sob o selo da Editora da Universidade Federal de Roraima e da Editora Fi.

Renato Dias Baptista, professor na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, e Carmen Liliana Rocha Ustarez, professora na Universidad Pública de El Alto, explicam como a Bolívia é marcada pela multiplicidade de etnias e pela convivência dos povos indígenas com um Estado centralizador. Desde a colonização, as instituições bolivianas serviram à elite eurodescendente, enquanto os indígenas eram marginalizados. Essa exclusão gerou tensões sociais e políticas, agravadas por traumas históricos, como a perda de território.

Com a eleição de Evo Morales, o país iniciou uma nova fase, com a inclusão das populações indígenas. Morales, de origem indígena, colocou essa questão no centro de seu projeto político, resultando no reconhecimento da Bolívia como um Estado Plurinacional, formalizado pela Constituição de 2009. Essa nova configuração garantiu direitos políticos e territoriais às comunidades indígenas, permitindo-lhes maior participação nas decisões nacionais.

No entanto, apesar desses avanços, a Bolívia continua enfrentando dificuldades. As comunidades indígenas ainda sofrem com a discriminação e a exclusão econômica, especialmente em função da dependência do país em recursos naturais, como gás e petróleo. Muitas dessas riquezas estão localizadas em terras indígenas, expondo essas comunidades a um dilema: de um lado, o desenvolvimento econômico do país; de outro, a preservação ambiental e cultural. As políticas de extração têm sido criticadas por movimentos indígenas que exigem maior respeito por seus territórios, enquanto outros grupos defendem a continuidade do modelo de exploração para garantir o crescimento econômico.

Essas tensões também são agravadas pela instabilidade jurídica da Bolívia, onde o sistema judicial é vulnerável à interferência política, o que gera incerteza tanto para investidores quanto para as comunidades indígenas. A arbitragem de conflitos entre empresas e o Estado muitas vezes não protege adequadamente os interesses indígenas.

Com mais de 30 grupos étnicos reconhecidos oficialmente, os Aymaras e Quechuas são os mais representativos, somando mais de dois milhões de pessoas. Esses povos mantiveram suas tradições culturais desde o período pré-colonial, mesmo após a colonização espanhola. Sua presença na política boliviana é significativa, moldando tanto a participação direta no governo quanto as políticas públicas de desenvolvimento.

Segundo os autores, a valorização das culturas indígenas e o reconhecimento de seus direitos são fundamentais para a construção de uma sociedade justa e inclusiva. No entanto, a Bolívia ainda enfrenta o desafio de equilibrar o desenvolvimento econômico com a preservação de sua diversidade cultural e ambiental. A chave para o futuro do país está na sua capacidade de integrar esses diferentes interesses, promovendo uma sociedade que respeite as culturas locais e avance de forma sustentável.

 

[i] Bolsista do Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico (MídiaCiência), processo nº 2023/04511-1, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).