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Os saberes e fazeres tradicionais nas ondas da Rádio Rural de Tefé: as vivências de um comunicador da etnia kambeba

Pesquisadoras da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) apresentam a trajetória de Ronildo Carvalho, comunicador indígena da etnia Kambeba, e seu uso das mídias para promover a cultura e identidade indígena no Amazonas.

Por Ana D’Arc Martins de Azevedo[i] e Fernando da Cruz Souza[ii] | RedeCT em Belém do Pará | 27 ago. 2024.

Os resultados da pesquisa foram publicados em 2023, no volume 12 do livro Povos Originários e Comunidades Tradicionais: trabalhos de pesquisa e de extensão universitária. A série é organizada pela RedeCT e publicada –– em acesso aberto –– sob o selo da Editora da Universidade Federal de Roraima e da Editora Fi.

Neste capítulo, os pesquisadores Betânia Matta, Patricia de Oliveira, Welner Campelo e Joseane Reinheimer abordam a trajetória de Ronildo Carvalho, um comunicador e artista indígena da etnia Kambeba, que atua na região do Médio Solimões, no Amazonas.

Partindo do objetivo de entender como as múltiplas interfaces da comunicação, como escrita, rádio, audiovisual e multimídia, se relacionam com o processo de autorreconhecimento indígena de Ronildo, a pesquisa destaca a importância da comunicação como uma ferramenta estratégica na afirmação da identidade indígena e na promoção da diversidade cultural.

Segundo os pesquisadores, Ronildo se destaca por utilizar sua posição na Rádio Educação Rural de Tefé para romper o silenciamento histórico imposto aos povos indígenas, valorizando as tradições culturais através de uma abordagem multimídia que atinge tanto as áreas urbanas quanto as comunidades ribeirinhas.

A pesquisa enfatiza que a democratização da ciência e da comunicação passa pelo respeito à pluralidade de saberes, principalmente os originários das comunidades tradicionais, que foram historicamente invisibilizados.

A atuação de Ronildo contraria o silenciamento histórico imposto aos povos tradicionais, oferecendo aos seus ouvintes uma comunicação fundamentada na diversidade cultural e reafirmando sua conexão com os povos originários. Sua produção possui um relevante cunho social, ao trazer à tona as vivências e saberes dessas comunidades.

Para este estudo, os autores enfatizam que a oralidade desempenha um papel central na preservação dos registros culturais dos povos tradicionais, sendo fundamental para a continuidade dos saberes e fazeres das diversas etnias indígenas no Brasil. Com o reconhecimento da importância da oralidade, o texto adota o método da história oral como abordagem para compreender os desafios profissionais e pessoais enfrentados pelo entrevistado em seu cotidiano como comunicador indígena.

Um pouco da história de Ronildo


Ronildo Carvalho (Figura 1) nasceu em Fonte Boa, município localizado no Médio Rio Solimões, Amazonas. Em 1978, após a separação dos pais, mudou-se para Tefé (AM) com sua mãe. Desde jovem, enfrentou dificuldades financeiras e começou a trabalhar cedo, mas sempre valorizou a educação. Aos 17 anos, encontrou sua primeira conexão com a música ao participar de uma congregação religiosa, o que o levou a cantar em corais e se apresentar em eventos locais.

Figura 1 - Ronildo Carvalho na transmissão do Balanço Cultural

Fonte: Prefeitura Municipal de Tefé (AM).

 

Em sua narrativa, Ronildo atribui ao seu talento como cantor e compositor a abertura de portas para que ele se tornasse intérprete da Banda Eldorado, na qual início à trajetória artística.

No ano de 1987, Ronildo ingressou como estagiário na Rádio Educação Rural de Tefé, onde sua paixão pela comunicação começou a se consolidar. Em 1988, passou a apresentar seus próprios programas, começando sua carreira como comunicador.

O programa "Balanço Cultural", criado pelo radialista, promove a cultura regional e as tradições indígenas, reforçando o valor da identidade cultural amazônica e Kambeba e tem grande destaque em sua carreira. Seu trabalho não só fortaleceu a cultura local, mas também o ajudou a se reconectar com suas raízes indígena.

Inclusão social e diversidade cultural indígena

Os pesquisadores ressaltam que, como comunicador e artista indígena, Ronildo Carvalho desempenhou papel crucial na promoção da inclusão social e da diversidade cultural através de sua atuação.

Por meio da rádio, o indígena conseguiu dar voz às questões e tradições dos povos indígenas, especialmente da etnia Kambeba, promovendo o diálogo intercultural e a resistência contra a invisibilidade histórica dessas populações.

O caso do radialista ilustra a importância das rádios comunitárias no Amazonas, especialmente em áreas remotas. Nelas, a rádio funciona como ferramenta de integração cultural e social. Ronildo, com seu compromisso de manter vivas as tradições Kambeba, torna-se uma figura chave na preservação e valorização da cultura indígena na região do Médio Solimões.

A atividade do comunicador se consolidou como uma referência ao abrir espaços para debates que promovem a cultura dos povos originários. A difusão de histórias culturais na rádio se organiza em torno de uma perspectiva multicultural, em que são incentivados o diálogo e proporcionada a visibilidade à cultura dos povos tradicionais.

Por fim, o capítulo sublinha a importância de aprofundar os estudos sobre os efeitos das novas tecnologias, como a digitalização das rádios, no fortalecimento das identidades e culturas indígenas, especialmente na região amazônica.

 

[i] Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), Professora Adjunta da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e da Universidade da Amazônia (UNAMA), Professora Titular do Programa de Pós-Graduação Comunicação, Linguagens e Culturas – PPGCLC e do Programa de Pós Graduação no Mestrado Profissional em Gestão de Conhecimentos para o Desenvolvimento Socioambiental - PPGC na Universidade da Amazônia – UNAMA, E-mail: This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0257982352792085, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4240-9579.

[ii] Bolsista do Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico (MídiaCiência), processo nº 2023/04511-1, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).