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Povos indígenas no Brasil: transformações históricas dos direitos e das políticas públicas

Membros da RedeCT na Unesp - Câmpus de Tupã abordam a trajetória histórica dos direitos e políticas públicas voltadas aos povos indígenas no Brasil. Apesar dos avanços legais, especialmente com a Constituição de 1988, os indígenas ainda lutam contra a expropriação territorial e a assimilação forçada. O texto sublinha a importância da justiça social e da inclusão em políticas que respeitem e protejam a diversidade cultural e territorial indígena.

Por Fábio Andrade Dias[i] e Fernando da Cruz Souza[ii] | RedeCT, em Tupã - SP | 29 ago. 2024

Os resultados da pesquisa foram publicados em 2019, no volume 3 do livro Povos Originários e Comunidades Tradicionais: trabalhos de pesquisa e de extensão universitária. A série é organizada pela RedeCT e publicada –– em acesso aberto –– sob o selo da Editora da Universidade Federal de Roraima e da Editora Fi.

A pesquisa desenvolvida pelo Dr. Nelson Russo de Moraes e pelos pesquisadores Ariane Taísa de Lima e João Augusto Rodrigues, vinculados à Unesp – Câmpus de Tupã, oferece uma análise da transformação dos direitos e das políticas públicas voltadas aos povos indígenas no Brasil. Traçam uma trajetória histórica desde a chegada dos portugueses até os dias atuais, refletindo sobre a resistência, expropriação territorial e tentativas de assimilação cultural dos povos indígenas.

Desde a chegada dos portugueses, a população indígena no Brasil passou por uma drástica redução. Estima-se que havia milhões de indígenas à época, mas o censo de 2010 revelou uma queda para cerca de 900.000 pessoas. Tal diminuição é atribuída a décadas de políticas inadequadas que não garantiram proteção efetiva dos direitos territoriais e culturais indígenas.

Os povos indígenas foram confrontados com uma realidade de colonização violenta. Nos primeiros anos, as relações entre indígenas e colonizadores foram relativamente pacíficas, mas rapidamente se deterioraram à medida que os colonos europeus buscaram explorar os recursos naturais e expandir suas terras. Durante o período colonial, a Igreja Católica desempenhou papel crucial com a catequização como ferramenta para a assimilação cultural dos indígenas. A Bula Ventas Ipsa, de 1537, reconheceu os indígenas como seres humanos com alma, justificando sua conversão ao cristianismo como um meio de “civilização”.

Com a independência do Brasil em 1822, as políticas indigenistas continuaram a focar na integração dos indígenas à sociedade nacional. A Constituição de 1824, a primeira do Brasil, foi omissa quanto aos direitos dos povos indígenas, tratando-os de maneira genérica como cidadãos brasileiros. No entanto, a realidade era a de que as políticas públicas dessa época visavam, sobretudo, a expropriação de terras para o desenvolvimento econômico do país, sem considerar a preservação das culturas e tradições indígenas. Durante o Império, a legislação e as políticas públicas frequentemente negligenciavam os direitos territoriais e culturais dos indígenas, priorizando a ocupação e exploração dos recursos naturais em suas terras.

Com a proclamação da República em 1889, novas instituições foram criadas para lidar com a questão indígena, destacando-se o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), fundado em 1910. Este órgão tinha a missão de proteger os indígenas, mas na prática, muitas vezes atuou de maneira paternalista, considerando-os como relativamente incapazes e sob tutela do Estado. O SPI foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em 1967, durante o regime militar, com o objetivo de corrigir as deficiências do SPI, mas enfrentou críticas similares por reproduzir práticas coloniais de tutela e controle sobre os povos indígenas. A FUNAI, mesmo sendo um avanço em termos de institucionalização, ainda carregava consigo a visão de que os indígenas deveriam ser integrados à sociedade nacional dominante, muitas vezes em detrimento de suas culturas e territórios.

A promulgação da Constituição de 1988 transformou os indígenas em sujeitos de direito e representou um marco na luta pelos direitos indígenas no Brasil. Pela primeira vez, a Constituição reconheceu explicitamente a diversidade cultural dos povos indígenas e assegurou seus direitos territoriais, garantindo-lhes a posse permanente de suas terras e o usufruto exclusivo dos recursos naturais nelas existentes. Este avanço legal foi resultado de uma intensa mobilização dos movimentos indígenas e de seus aliados na sociedade civil, a qual ganhou força na década de 1970.

A Constituição de 1988 também incorporou a noção de que os indígenas têm o direito de manter suas próprias tradições e culturas, sem serem forçados à assimilação. No entanto, a implementação desses direitos tem enfrentado desafios contínuos, especialmente em face de interesses econômicos poderosos, como o agronegócio e a mineração, que frequentemente entram em conflito com os direitos territoriais indígenas.

A demarcação de terras, essencial para a preservação cultural e física dos povos indígenas, ainda é um processo marcado por conflitos e lentidão burocrática. Além disso, as políticas públicas muitas vezes não conseguem alcançar todas as comunidades indígenas, deixando muitos sem a proteção e o apoio de que necessitam. Portanto, embora a Constituição de 1988 tenha representado um passo importante para o reconhecimento dos direitos indígenas, ainda há um longo caminho a percorrer para que esses direitos sejam plenamente respeitados na prática. A luta dos povos indígenas no Brasil, continua sendo uma questão central para a justiça social e a preservação da diversidade cultural no país. É fundamental que o Estado e as instituições se empenhem em respeitar e valorizar a diversidade cultural dos povos indígenas, garantindo a preservação de suas tradições e direitos em um contexto de dignidade e respeito.

 

[i] Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Agronegócio e Desenvolvimento da Faculdade de Ciência e Engenharia (FCE), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp – Câmpus de Tupã). E-mail: This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it..

[ii] Bolsista do Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico (MídiaCiência), processo nº 2023/04511-1, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).