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Protagonismo, centralidade e autonomia dos povos quilombolas: a experiência da Cartografia Social na Comunidade de Ribeirão em Brumadinho/MG

Pesquisadores da PUC-Minas exploram a importância da cartografia social como ferramenta de resistência e empoderamento para a comunidade quilombola de Ribeirão, em Brumadinho/MG. Ressaltam que a cartografia social contribui na preservação, autonomia, identidade e direitos territoriais dos quilombolas frente às pressões externas.

Por Ana Maria Barbosa Quiqueto[i] e Fernando da Cruz Souza[ii] | RedeCT, em Tupã-SP | 28 ago. 2024

A pesquisa, elaborada por Amanda Ribeiro Carolino e Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, ambos da Pontíficia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), tematiza as as contribuições de um estudo de caráter extensionista do Núcleo de Pesquisa em Ética e Gestão Social (NUPEGS), vinculado ao Programa de Pós-graduação em Administração (PPGA), da PUC-Minas. A pesquisa teve como local a comunidade quilombola de Ribeirão, onde, desde 2021, são desenvolvidas oficinas de cartografia social. Os resultados da análise foram publicados em 2022, no volume 11 do livro Povos Originários e Comunidades Tradicionais: trabalhos de pesquisa e de extensão universitária

Protagonismo Quilombola e Cartografia Social: A Resistência Territorial de Ribeirão

Para os autores, em um contexto de resistência histórica e luta por autonomia, a cartografia social funciona como ferramenta de empoderamento para comunidades quilombolas, especificamente para a comunidade de Ribeirão, localizada em Brumadinho, Minas Gerais.

Tradicionalmente, a cartografia é vista como uma ciência técnica, destinada à representação física de territórios. No entanto, essa abordagem convencional ignora, muitas vezes, as complexas dinâmicas sociais e culturais que moldam os territórios. A cartografia social, em contrapartida, emerge como uma prática que valoriza essas dimensões, pois busca mapear o espaço físico enquanto incorpora as experiências e narrativas dos grupos que habitam os territórios.

O estudo, do tipo pesquisa-ação, se insere nessa nova concepção de cartografia, dado que visa dar voz aos quilombolas de Ribeirão. Isso ocorre por meio da construção de mapas participativos, o que tem contribuído para promoção da autonomia dos membros da comunidade no sentido de caracterizar e representar a territorialidade, isto é, sua realidade, suas lutas e suas esperanças.

Nesse sentido, é importante recordar que as comunidades quilombolas têm suas raízes na resistência anticolonial, pois surgiram como refúgios para escravos fugitivos durante o Brasil Colônia. No entanto, o conceito de “quilombo” transcende a simples fuga; é um símbolo de resistência contra a opressão e de luta pela preservação de uma identidade cultural rica e diversificada.

No caso de Ribeirão, a comunidade se originou a partir da fuga de escravos da fazenda dos Martins. Estes escravos encontraram refúgio em uma área próxima, onde puderam estabelecer seu modo de vida de forma autônoma. Hoje, Ribeirão é uma das quatro comunidades quilombolas certificadas em Brumadinho, e sua luta pela preservação do território continua.

O geógrafo Milton Santos, citado no capítulo, destaca que o território é uma junção inseparável entre o espaço material e o social, uma configuração que não pode ser compreendida sem levar em conta as relações sociais que a constituem.

Na perspectiva dos quilombolas, o território vai além de uma simples delimitação geográfica. Ele é o espaço onde se desenrolam suas vidas, onde sua história e cultura se enraízam. Já a territorialidade é vista como a apropriação simbólica e afetiva do espaço. Para os quilombolas de Ribeirão, o território não é apenas um pedaço de terra; é o lugar onde suas memórias e tradições se perpetuam, onde suas identidades se fortalecem frente às ameaças externas

A Cartografia Social em Ação: Ribeirão e a Luta pela Terra

A cartografia social na comunidade de Ribeirão teve início em junho de 2021. Desde então, os moradores têm tomado parte em oficinas de mapeamento participativo, nas quais têm a oportunidade de desenhar seus próprios mapas, refletindo suas percepções e experiências com o território.

A utilização da cartografia social durante as oficinas viabiliza o fortalecimento da afetividade entre os membros quilombolas. Nesses momentos, abrem-se espaços de narrativas e lembranças, ambiente de escuta, valorização e reconhecimento das experiências coletivas. O resgate da memória local não apenas enriquece a identidade do grupo, mas também o motiva a agir de forma engajada diante dos impasses e desafios que obstaculizam a delimitação de seus territórios e possíveis contestações advindas dessa dinâmica.

Ao mapear seu território, os quilombolas reivindicam seus direitos sobre a terra e se posicionam contra as tentativas de expropriação. Além disso, a criação dos mapas fortalece os laços comunitários, servindo como uma ferramenta de resistência. Os quilombolas destacam elementos do território que têm um valor especial para eles, como o rio Ribeirão, que dá nome à comunidade, mas que hoje se encontra poluído e inacessível devido à invasão de sitiantes, resultante da pressão da especulação imobiliária.

Juntam-se a tal cenário de conflito, a falta de infraestrutura básica no território e o enfrentamento de dificuldades econômicas que levam os membros da comunidade, muitas vezes, a vender partes de suas terras. Esse contexto gera conflitos internos e enfraquece a coesão comunitária. A cartografia social surge como uma estratégia para reforçar essa coesão e para fortalecer a luta pela titulação completa do território.

No entanto, a certificação do território como quilombola pela Fundação Cultural Palmares foi um passo importante, mas a titulação formal das terras ainda não havia sido concluída à época do estudo, o que deixa a comunidade em situação vulnerável.

Implicações da pesquisa

Apesquisa elucida a necessidade de se estabelecer uma articulação assertiva junto aos órgãos municipais e estaduais, os quais são responsáveis pela demarcação de terra das comunidades quilombolas. Esse diálogo é fundamental para dar visibilidade a nova configuração do espaço quilombola, retratada pela cartografia social e, sob a perspectiva dos sujeitos que ali residem, promovendo uma compreensão mais profunda das realidades e vulnerabilidades dessas comunidades.

A intenção é romper com a produção de mapas desenvolvidos pelo monopólio estatal, que considera somente os interesses econômicos e fundiários e, por isso, invisibiliza a possibilidade de uma representação territorial que reflita a história, a cultura e os direitos dos quilombolas.

Tal forma de atuação pelo poder público revela práticas que buscam descaracterizar os territórios tradicionais em favor da comercialização imobiliária e da exploração dos recursos naturais.

 

[i] Doutoranda em Ciências/Agronegócio e Desenvolvimento (FCE/UNESP), Bolsista da CAPES. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1950187892176976. Brasil. E-mail: This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it.

[ii] Bolsista do Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico (MídiaCiência), processo nº 2023/04511-1, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).