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Segurança Alimentar: o papel da tradição e cultura na sustentabilidade

O estudo examina a interseção entre tradição alimentar e segurança alimentar no Brasil, abordando como a globalização tem promovido a substituição de alimentos tradicionais por produtos industrializados, impactando a diversidade cultural e nutricional. Discute-se a importância das práticas alimentares regionais e a necessidade de políticas públicas que promovam a sustentabilidade, a produção local e o acesso a alimentos saudáveis.

Por Fernando da Cruz Souza[i] | RedeCT, em Bauru-SP | 24 abr. 2024

Os resultados da pesquisa foram publicados em 2019, no volume 3 do livro Povos Originários e Comunidades Tradicionais: trabalhos de pesquisa e de extensão universitária. A série é organizada pela RedeCT e publicada –– em acesso aberto –– sob o selo da Editora da Universidade Federal de Roraima e da Editora Fi.

Dercílio Volpi Júnior, Francisco Augusto Alves Lopes, Vinicius Palácio, Gessuir Pigatto e Wagner Luiz Lourenzani, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Câmpus de Tupã, analisam como os hábitos alimentares das populações foram moldados ao longo da história e como essas tradições, em muitos casos, estão sendo substituídas por padrões globais de consumo que priorizam a praticidade e a produção em massa, em detrimento da diversidade e da qualidade.

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A segurança alimentar, definida pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA) no Brasil, implica em garantir a todas as pessoas o direito de acesso a alimentos adequados, respeitando preferências culturais e regionais. No entanto, a globalização, o consumismo e o domínio das indústrias alimentícias têm levado à desterritorialização da alimentação – perda de vínculos culturais e sociais com a produção e consumo de alimentos locais – enquanto produtos industrializados se tornam predominantes nas dietas.

Esse processo é uma característica da globalização contemporânea. Empresas multinacionais padronizam hábitos alimentares, transformando a relação das pessoas com a comida. Tradições culinárias que definiam identidades culturais regionais estão sendo substituídas por alimentos processados e convenientes. No Brasil, isso é evidente em diversas regiões, nas quais alimentos industrializados competem com produtos tradicionais, alterando a paisagem alimentar de cidades e comunidades rurais.

Historicamente, os padrões alimentares evoluíram conforme contextos sociais, históricos, geográficos e econômicos de cada região. No Brasil, há uma rica herança cultural com influências indígenas, africanas, europeias, entre outras, moldando a diversidade alimentar que varia significativamente entre as regiões. Entretanto, essa diversidade está em risco, pois a globalização promove a uniformização das dietas e o aumento do consumo de alimentos processados, ameaçando as tradições culinárias.

A cultura alimentar é fundamental para as identidades regionais e nacionais brasileiras, variando de acordo com a geografia e história local. Na Amazônia, o consumo de peixes como o pirarucu, acompanhado por pratos à base de mandioca, é marcante. No Nordeste, pratos como acarajé e vatapá refletem a influência africana. No Sudeste, o pão de queijo e o feijão tropeiro são exemplos da culinária mineira, enquanto no Sul, o churrasco e o chimarrão refletem a história dos pampas e influências indígenas e europeias.

A evolução dos hábitos alimentares está ligada a necessidades de sobrevivência, padrões econômicos e práticas culturais. Nas sociedades pré-históricas, a alimentação dependia da caça e coleta. Com a domesticação de plantas e animais e o desenvolvimento da agricultura, surgiram sociedades mais estáveis, permitindo avanços civilizatórios. Civilizações antigas, como a romana e a egípcia, desenvolveram sistemas sofisticados de agricultura e comércio, influenciando a alimentação moderna.

Somente com a Revolução Industrial tornou-se possível a produção em massa de alimentos e a expansão dos mercados globais, processo acentuado pela globalização recente. Embora facilite o acesso a alimentos de diversas partes do mundo, a globalização também gera homogeneização dos hábitos alimentares. A comoditização dos alimentos, promovida por grandes corporações, trata-os como produtos genéricos, consumidos em qualquer lugar e momento, comprometendo a diversidade alimentar e ameaçando a segurança alimentar das populações mais vulneráveis.

No Brasil, a insegurança alimentar é uma realidade para milhões de pessoas. A pobreza, a fome e a desnutrição formam um ciclo difícil de romper, apesar de políticas públicas e esforços de organizações civis. Garantir o acesso a alimentos nutritivos e culturalmente adequados torna-se um desafio crescente no contexto da globalização, que cria desequilíbrios entre produção e consumo.

A globalização também afeta a sustentabilidade dos sistemas alimentares. A produção em larga escala de alimentos processados envolve o uso excessivo de recursos naturais e contribui para o desmatamento e destruição de ecossistemas essenciais, como as florestas tropicais. Além disso, o uso intensivo de pesticidas e fertilizantes tem efeitos prejudiciais sobre o meio ambiente.

Os pesquisadores ressaltam que há uma relação direta entre alimentação e saúde. O aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, ricos em gorduras, açúcares e sódio, leva ao crescimento de obesidade, diabetes e outras doenças crônicas. No Brasil, esses alimentos são frequentemente mais baratos e acessíveis do que os frescos, criando desigualdade nas escolhas alimentares das populações mais pobres.

Neste cenário, preservar as tradições alimentares e combater a homogeneização são essenciais para garantir a segurança alimentar e a saúde. É necessário fortalecer políticas públicas que promovam a agricultura familiar e o desenvolvimento local, valorizando produtos regionais e garantindo acesso a alimentos saudáveis e nutritivos. Programas de incentivo à produção local, como feiras livres e cooperativas de agricultores, podem manter as tradições culinárias vivas e assegurar a sustentabilidade dos sistemas alimentares.

Conjuntamente, é fundamental educar a população sobre a importância de uma alimentação saudável e sustentável. Conscientizar sobre a origem dos alimentos e seus impactos na saúde e no meio ambiente é essencial para a preservação da cultura alimentar. Campanhas de educação alimentar podem sensibilizar as pessoas para valorizar alimentos frescos, naturais e regionais.

 

[i] Bolsista do Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico (MídiaCiência), processo nº 2023/04511-1, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).